Mulheres pela ciência

Laura Maria
29 min readMay 13, 2021

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Apesar do meio científico historicamente ser formado por uma maioria masculina, a resistência feminina na ciência é cada vez maior e, em Porto Alegre, já representa um potente coletivo em busca de equidade e pluralidade.

Registro da entrevista com as coordenadoras do projeto.

A 500 Women Scientist (500 Mulheres Cientistas) é uma organização não-governamental, fundada nos Estados Unidos em 2016 por quatro mulheres, com o objetivo de “criar uma comunidade científica inclusiva, dedicada a treinar um grupo mais diverso de futuros líderes na ciência e utilizar a linguagem científica para criar pontes e aprimorar a diplomacia global”, de acordo com o site oficial do projeto, em inglês.

A 500WS conta com diversos pólos ao redor do mundo, inclusive aqui no Brasil, que são chamados de “pods”. Para entender melhor o projeto e as iniciativas adotadas, conversamos com três das coordenadoras do polo de Porto Alegre. Patrícia Paludo, Thamara Almeida, Fernanda Ávila e Viviane Zulian são biólogas, e contam suas experiências com o projeto, como chegaram até ele e compartilham suas opiniões sobre divulgação científica e a presença feminina no meio científico.

Thamara Santos de Almeida é técnica em Publicidade e Propaganda, Bióloga e mestranda em Biologia Animal (UFRGS). Desenvolveu pesquisas sobre aspectos relacionados à evolução morfológica e biogeografia histórica e ecológica de pequenos roedores subterrâneos denominados tuco-tucos. Atualmente, organiza e ministra ações de ensino, extensão e divulgação científica no Curso de Biologia Evolutiva da UFRGS, no Projeto Tuco-tuco e na ONG Mamíferos RS.

Fernanda Rodrigues de Ávila é bióloga e atualmente faz doutorado na Unisinos. Trabalha no Laboratório de Genética e Biologia Molecular da Unisinos, onde desenvolve pesquisas com história natural e biogeografia histórica de anfí­bios no Planalto das Araucárias.

Viviane Zulian é bióloga pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Fez mestrado em Ecologia pela UFRGS e atualmente é doutoranda no mesmo programa. Trabalha com ecologia e conservação e, no doutorado, estuda espécies ameaçadas de papagaios da Mata Atlântica.

Patrícia Paludo é bióloga também pela UFRGS, onde participou da Iniciação Científica no Laboratório de Ictiologia e da extensão pelo Programa de Educação Tutorial de Biologia do Ministério da Educação (PETBio-UFRGS). Atualmente é mestranda no Programa de Pós-graduação em Biologia Animal da mesma instituição e também faz parte da Rede Kunhã-Asé — Mulheres na Ciência.

Confira abaixo a entrevista realizada com as coordenadoras e conheça um pouco mais do projeto.

A 500WS é uma iniciativa que começa nos EUA e conta com diversos pólos ao redor do mundo. Gostaria de saber um pouco mais sobre o projeto em si, e como foi a experiência de vocês, como chegaram até a organização e porque se interessaram em participar.

Thamara: Vou falar um pouco sobre como eu comecei a acompanhar o projeto aqui no Brasil. Já havia uma cientista que eu acompanhava nas redes sociais e que já fazia um trabalho de divulgação científica, e eu vi que ela divulgou que ia começar esse grupo das 500 Mulheres Cientistas aqui no Brasil, que já tinha vários grupos no Brasil todo. Já era uma temática que eu vinha me interessando desde o final da graduação, mas eu nunca tinha visto um grupo de mulheres cientistas que fosse algo tanto a nível nacional quanto mundial, sempre foram pequenas iniciativas locais, como o Meninas na Ciência da UFRGS, sempre ficava restrito a uma universidade. Quando eu vi então essa divulgação fiquei muito interessada em fazer parte, já que pra mim fazia todo o sentido, já era uma temática que eu vinha me interessando, e eu procurei saber mais por ela [a cientista], que estava na organização a nível Brasil, e foi aí que eu encontrei o pod Porto Alegre. A Fernanda [Stanisçuaski], que fundou e atuou como coordenadora do Parent in Science [projeto para falar sobre a maternidade na ciência], foi a fundadora do pod, então foi através dela que eu soube que havia um polo e assim nós juntas começamos a organização aqui em Porto Alegre.

Patrícia: Essa história é uma trajetória diferente pra cada uma. A Thamara seguia a Fernanda Stanisçuaski, mas cada uma vem de uma linha um pouco diferente. Eu me recordo de ter visto um post no Instagram uma vez e pensar “Que legal, que logo bonito!”, e depois disso algumas colegas falaram que fazia parte de uma rede e tudo mais, aí eu pensei: ‘rede de mulheres, falando sobre ciência? Bora! Não sei por que estamos perdendo tempo ainda!’. Então é uma rede que tem vários objetivos, e para cada uma varia esse objetivo, esse interesse, que vai desde uma rede de apoio, de trabalho, conhecer outras profissionais que trabalham com assuntos que podem ser o mesmo que o teu, mas tu nem imaginava; e até mesmo formação interna, porque nós enquanto mulheres cientistas… A ciência é um lugar que a gente está descobrindo, nós fomos excluídas por muito tempo dela, então a ciência tem muitas questões que a gente tem que discutir e descobrir nosso papel dentro dela. Essa rede é múltipla, desde a atuação até a entrada nela.

Viviane: Eu compartilho muito do que a Patrícia falou, pra mim foi bem parecido, eu comecei a ver amigas e colegas se engajando na rede e despertou meu interesse de “o que eu posso fazer dentro da rede, como eu posso participar, como eu posso ajudar?”, e foi muito isso de participar da primeira reunião super ansiosa e “Ai, meu pai, o que eu faço aqui?” [risos]. E eu já conhecia a Thamara, já conhecia a Patrícia… Foi muito esse trabalho de uma fala pra outra, que fala pra outra e algumas ficam curiosas e começam a participar. Pra mim foi assim

Fernanda: O meu caso foi um pouquinho diferente, foi um colega, homem, que me disse que tinha uma organização muito legal, internacional, e compartilhou comigo o link do juramento das 500 Mulheres Cientistas e eu achei fantástico, concordei com cada linha e assinei o juramento na hora e pensei em dar uma bisbilhotada, “será que temos pods aqui na região?” Coincidentemente já existia o pod de Porto Alegre, mas ainda não tinha rede social nenhuma. Acho que eu sou um efeito fundador do pod Porto Alegre mais pro lado do Vale dos Sinos [risos]

Como surgiu o 500 mulheres na ciência em Porto Alegre? Como o projeto é administrado? Quais as iniciativas promovidas por vocês e pelo grupo aqui no Rio Grande do Sul?

Thamara: Quando eu olhei a Milene, que fazia parte no projeto no Brasil, e é uma pesquisadora na área da ecologia do movimento, quando ela divulgou o projeto [do 500 Mulheres na Ciência], tinha um post que dizia para procurar um pod perto de você, e foi assim que eu achei, não tinha nada, nem grupo no WhatsApp, só o nome da Fernanda Staniscuaski, e eu não conhecia ninguém no pod. Éramos só cinco gurias. Aí eu procurei saber desse grupo e a Fernanda disse: “Agora que tem mais meninas que estão interessadas, vamos criar esse grupo no WhatsApp, vamos começar a se movimentar”, então foi assim que o pod em si começou. Fizemos reuniões, criamos as mídias sociais e a coordenação ainda era focada em apenas uma pessoa, na época era a própria Fernanda. Agora estamos em outro momento, que a Patrícia pode falar melhor.

Patrícia: Justamente, é bem recente esse núcleo que nós temos em Porto Alegre [há cerca de um ano], e nós estamos a mais de um ano em pandemia, então muitas coisas mudaram. Se antes talvez tivessem algumas estratégias, agora toda nossa comunicação fica específica para dentro das redes sociais. Isso afeta também o nosso engajamento, mesmo que não tivesse no meio disso tudo uma pandemia, já seria complicado porque temos que pensar que são organizações não-governamentais. A gente não recebe nada, estamos fazendo de graça. Então isso envolve a gente pegar na nossa agenda, que já envolve desde pesquisa até outras coisas que já fazemos, e aí pensar ‘Tá, como eu faço uma formação interna sobre mulheres na ciência? Como eu vou organizar uma reunião?” Esse ‘botar na agenda’ eu acho que é um fator que afeta muito a participação no grupo no sentido de engajamento. A gente vai ter essa flutuação em qualquer tipo de organização. É um fator bem grande pra pensar.

Uma das estratégias que nós temos também é tentar fortalecer esse engajamento interno, inclusive nossa coordenação atual são ao total sete mulheres, até pra gente conseguir partilhar essas responsabilidades e não pesar muito. Em uma semana em que a Thamara tá com muita tarefa, a Vivi assume um pouco mais, ou a Fernanda, ou eu, e assim a gente consegue revezar e não sobrecarregar todas. É uma das estratégias que temos tomado.

Viviane: Dentro dessa organização de ter uma coordenação que não se restrinja a uma pessoa só, a gente também está tentando articular e fortalecer grupos de trabalho (GTs) diferentes em cada frente, independente de sermos sete mulheres na coordenação, a gente tem grupos de trabalho em que qualquer membra pode fazer parte e contribuir, conforme tiver mais afinidade com determinado tema e se propor a auxiliar em um grupo específico. Essas várias frentes têm dado certo, porque se formos centralizar só na coordenação fica um pouco complicado. Isso tem dado mais fluxo e sem ficar pesado pra nenhuma de nós.

Patrícia: Isso tem sido feito também a nível nacional, porque o nosso núcleo é um dos vários que existem pelo Brasil, acho que da organização inteira nós temos 10% das participantes do Brasil, é muita gente. E mesmo assim todas tem suas tarefas, com o pós-doc, o doutorado, a docência universitária, então a gente acaba buscando formas de cooperar e fazer esse trabalho ser mais efetivo.

Como tem sido o alcance do projeto? Qual a principal diferença que vocês, mulheres, percebem antes e depois dessa iniciativa aqui em Porto Alegre e na comunidade científica, e também na vida de vocês?

Patrícia: O projeto ainda é muito local. O nosso núcleo especificamente tem trabalhado de forma muito local, buscando algumas coisas inicialmente, que são: fortalecer a participação, nós temos algumas participantes no nosso núcleo que vem de diferentes áreas, mas a gente não conseguiu contemplar todas as áreas. Por exemplo, a maior parte [das participantes] vem das ciências biológicas, nós temos algumas das exatas, da psicologia, mas ciências humanas temos pouquíssima gente, então ainda é um recorte bem específico o núcleo que estamos falando. Então ainda temos que buscar, pensando em discutir ciência. Não adianta discutir ciência só com biólogas, a gente já conhece, temos posições muito parecidas na epistemologia e precisamos fazer com que isso seja mais amplo. Além disso, o cenário atual, além desse recorte, faz com que a nossa participação flutue um pouco.

Nesse momento, estamos buscando tentar fortalecer, fazer com que a nossa rede permaneça forte, firme, porque uma das coisas que a gente tem é um desestímulo na carreira acadêmica. A gente tem esse teto de vidro, em que cada vez que uma mulher avança na profissão, acaba tendo menos mulheres nas acima. A nossa ideia é fazer esse fortalecimento para que a gente não perca mulheres, pelo menos nesse momento, pra ciência. O nosso trabalho é interno por enquanto, o externo a gente tem feito pouca coisa, até porque é uma pandemia, mas nós temos os grupos de trabalho, temos tentado as redes sociais através do nosso GT de comunicação, temos feito formações internas no momento, temos um GT voltado pra isso, pra discutir assuntos voltados para feminismo, mulheres na ciência, diversidade na ciência, etc. A genta tá tentando, grupos de mentoria, por exemplo, a Viviane sabe muita coisa e ela quer explicar pra alguém, mais ou menos assim que temos feito.

Viviane: Uma coisa interessante que a gente percebeu é que cada mulher entra pra rede com um objetivo. A gente sempre está procurando alternativas para poder abrigar todas essas mulheres. Tem mulheres que entram somente para ter um grupo de apoio, ter mulheres que ela possa confiar e ser um ambiente seguro pra ela. Tem outras que entram muito mais porque querem trabalhar nessa parte de ativismo, querem ir para as redes sociais, querem fazer coisas mais voltadas para produção de material didático, várias coisas. Então eu acho que tem isso de tentar abrigar todas essas expectativas que cada uma traz quando entra pra rede, os GTs tem um pouco disso, agora a mentoria também, porque pensamos que precisamos nos fortalecer enquanto grupo e compartilhar o conhecimento que temos. Muito no sentido de “com o que eu posso ajudar?” e “eu preciso de ajuda com o quê?” é que tem surgido esse GT da mentoria, para nos ajudarmos dentro do grupo. Essa é uma coisa que percebemos como mudança: a partir do momento que a gente percebe que as mulheres sentem que tem um grupo de apoio, onde ela se sente segura, é uma grande mudança.

Thamara: Complementando, de forma externa ainda é um pouco difícil de mensurar. A gente nunca fez, por exemplo, um questionário para saber o quanto o pod pode ter ajudado em alguma questão específica, o que sabemos é a nossa realidade interna. Como a Vivi falou, é super importante termos esses momentos e esses espaços em que nos sentimos acolhidos, desde que a gente precise de uma ajuda para uma análise ou a gente precise desabafar sobre uma situação de machismo ou assédio que tá acontecendo. É super importante esses espaços e ainda é difícil mensurar, porque estamos fazendo algo mais interno, mas também é importante.

Fernanda: A gente insistiu muito, em como estruturar o pod, qual seria a melhor forma de atuar, quais seriam as nossas prioridades, e que essa nossa ideia de intensificar bastante o trabalho no fortalecimento interno é justamente por esse entendimento de que a gente precisa estar fortalecida e organizada antes de iniciar ações externas mais efetivas. A médio e longo prazo, pretendemos fazer algumas atividades de extensão, etc, mas nesse momento o nosso foco é justamente o fortalecimento.

Thamara: É muito aquela coisa do primeiro arrumar a casa, pra depois começar a fazer algumas mudanças externas. Como a gente vem das ciências duras, nós não temos muito essa formação social, de gênero e comunicação, então sentimos falta de nós empoderarmos um pouco mais na teoria, não pensar só na prática e em ações mais externas.

Como começou a vontade de “fazer ciência” em cada uma de vocês, como e porque escolheram suas áreas de atuação? Como nasce a paixão pela ciência?

Fernanda: Eu sou bióloga, e eu naturalmente sempre fui uma criança ou adolescente curiosa com questões de história natural, sempre foi uma coisa que me tomava muito tempo e que eu investia um longo tempo consumindo todo o tipo de divulgação científica e coisas nesse sentido. Eu tenho uma formação em magistério, em técnica da educação básica, e quando eu pensei na licenciatura que viria a seguir eu escolhi a biologia, e nunca tinha passado pela minha cabeça a carreira acadêmica. Não era uma possibilidade. Mas, pelo menos na minha mentalidade, era por falta de oportunidade. Quando eu ingressei no ensino superior surgiu a oportunidade de participar de uns campos, em um laboratório, já no meu primeiro semestre, e eu vi que aquilo era muito legal. E na época tinham outras meninas ingressando no laboratório, e nós formamos um time logo de cara. Esse grupo foi o que me fez continuar nessa trajetória, eu nem notei o que estava acontecendo no meio do caminho. Quando terminei a graduação, eu não tinha outra escolha a não ser fazer um mestrado, porque de fato descobri que gostava muito, e quando gostamos muito de uma coisa a gente se dedica muito, aprende muito. Foi um processo longo e gradual, nunca foi uma decisão repentina.

Patrícia: É uma pergunta muito profunda [risos]. Eu sempre fui a louca dos bichos, sempre adorava desde pequena. Eu era meio cirurgiã dos meus cachorros, é uma longa história, já operei eles, era super médica e não sabia — outra história louca. Mas sempre gostei de bicho, adorava, adorava. Mas era uma visão muito simplista ainda. Até que comecei a descobrir que tinham bichos ameaçados, que eles estavam desaparecendo, e então eu fiquei “Não, eu tenho que fazer alguma coisa pra mudar isso, não é possível!” Desde ali, no meu ensino médio comecei a pensar em biologia já, e adorava na escola fazer gráficos, esquemas, amava tudo isso. Sempre gostei de estudar de forma geral, de ler muito sobre alguma coisa. Quando chegou o final do ensino médio eu pensei “Bom, agora eu preciso pensar no meu futuro”, e aí eu estava em dúvida entre algumas carreiras pra seguir e fui olhar o currículo da biologia. Nem sabia direito o que uma cientista fazia, tinha aquelas visões mais… Que a ficção científica nos coloca, vamos dizer assim — e que inclusive eu gosto -, e eu lembro de olhar o currículo e as disciplinas de forma muito pragmática. “Essa eu gosto, essa vai ser legal, essa não tenho certeza, mas essa vai ser legal”. Eu coloquei na balança, porque eu estava em dúvida entre direito, filosofia, física e biologia. A Biologia tinha mais disciplinas que eu iria gostar do que as outras, então eu comecei na Unisinos e na primeira aula chegou uma professora falando de mamíferos marinhos ameaçados e eu olhei aquela aula e fiquei “É isso que eu quero pra minha vida!”. Claro, depois teve muitas mudanças nesse caminho, fui pra outra universidade e pra outra universidade, porque a gente descobre que é difícil pagar as contas [risos], então esse é um fator. Quando eu estava em biologia na UFRGS, comecei a pensar que estava na hora de selecionar coisas que eu pelo menos não gosto da lista, porque não dá pra fazer tudo, não dá pra curar o câncer e salvar as espécies, então vamos reduzir essa lista. No final eu estava um pouco mais inclinada para a área da ecologia, da ornitologia. Atualmente, não sei em que área eu estou, ou em qual área quero estar. Eu sei que gosto de ser cientista, adoro descobrir coisas, conectar coisas, sou professora também, então acho que eu faço um perfil muito mais interdisciplinar, que é um perfil pros próximos anos da ciência. No momento estou refletindo sobre a minha carreira acadêmica ainda [risos].

Thamara: Eu não lembro de no meu ensino fundamental ou médio saber o que eu queria fazer da vida. Eu sinto que só vivi, não tenho muitas lembranças. Aí no final do ensino médio a minha mãe perguntou o que eu ia fazer, “tu vai estudar né?”. E eu “Ah, vou ter que estudar então” [risos]. Ela sempre me incentivou a fazer algo que eu amava, mas eu não sabia o que eu gostava, então minha mãe disse “Começa fazendo um cursinho, um técnico”. Na escola que eu estava, no ensino médio, tinham cursos técnicos, de publicidade e propaganda, contabilidade e secretariado. Eu estava naquele limbo, tinha conseguido meu primeiro emprego como atendente de telemarketing e pensei: “Tá, vou fazer um técnico, não tenho como pagar cursinho agora, não sei o que eu vou fazer, vou me inscrever no técnico que é gratuito”. Foi quando comecei a fazer Publicidade e Propaganda, e eu adorava a parte de planejamento de comunicação e toda essa área, mas odiava a parte da publicidade que tinha a ver com fazer propaganda para grandes empresas, comecei a questionar. Meus vídeos há 10 anos no Youtube, que não consegui mais achar, eram vídeos do tipo: “Que legal que existe publicidade, mas olha aqui essas empresas aqui que vocês estão fazendo propaganda”, eram umas coisas meio anti-propaganda, a minha professora me odiava [risos]. Ela me dava umas notas ruins, não gostava muito de mim, porque eu fazia uns jingles meio ao contrário. Eu terminei esse curso técnico e consegui começar a pagar o cursinho, naquela época tinham poucos cursinhos sociais. Eu trabalhava durante o dia pra pagar o cursinho durante a noite, e eu tinha como inspiração minha mãe que era enfermeira, então pensei em fazer enfermagem. Comecei a estudar tanta biologia, porque era a matéria que precisava mais saber, que comecei a me apaixonar muito por biologia, pela forma como os professores traziam a biologia, que era algo que eu não tinha no ensino médio, e me apaixonei muito especificamente pela área da genética. Então pensei ao invés de tentar enfermagem, tentar a biologia, mas ainda não sabia muito bem o que eu queria. Na época, eu tinha uma prima que estava no começo da graduação em biologia, bem naquela época do boom da ciência. Ela estava fazendo uma pesquisa lá na Austrália, pelo Ciência sem Fronteiras, e eu pensei: “Que demais, também quero fazer essa tal de iniciação científica, também quero ser cientista assim!” [risos]. Entrei na graduação, e virei a louca da iniciação científica, comecei fazer estágios diversos, tudo que aparecia eu fazia, aí consegui minha primeira iniciação científica trabalhando com genética humana. Não era exatamente o que eu queria, mas eu gostava de genética. E foi na disciplina de Biologia da Conservação que eu realmente me descobri, como cientista e como pesquisadora, era uma professora que já tinha trabalhado com meu orientador. Ela disse: “Vamos ter uma saída de campo para conhecer o Tuco-tuco, e eu achei legal, pensei: “Ah, é um passarinho!”, mas não, é um rato ameaçado de extinção, e eu achava que o rato causava doenças, mas a professora explicou o que é um Tuco-tuco. Nessa saída de campo eu me apaixonei, foi amor à primeira vista, já comecei a falar com meu orientador: “Me dá alguma coisa que tiver pra fazer relacionada com esses bichos que eu faço”, bem louca, me apaixonei mesmo. Foi essa minha trajetória como cientista, comecei trabalhando mais na parte de genética e a parte de coleção, depois um pouco com a evolução e agora estou indo mais pra parte de conservação. Gosto de muitas coisas, ecologia, conservação, comunicação, educação ambiental… Talvez uma cientista futura, como a Patrícia disse, gostei bastante dessa ideia.

Viviane: A gente compartilha bastante coisas das histórias. Biologia sempre foi minha matéria preferida no ensino médio, e ciências no fundamental, sempre era a disciplina que eu mais me dedicava a deixar o caderno bonito, organizado, a estudar. No final do ensino médio, quando decidi fazer biologia…Mas também gostava muito dos bichos. Meus pais moram no interior, o veterinário chegava aqui em casa, eu corria, porque eu queria ver tudo, cirurgia, queria entender o que estava acontecendo com o bicho. Na graduação, tive várias oportunidades de trabalhar com botânica, trabalhei com educação ambiental, no museu da universidade. Mas quando eu decidi realmente, o que foi muito conversado com uma amiga minha, a gente falava: “Acho que seria bem legal se a gente estudasse aves, entender um pouco sobre que aves estão em determinados locais”. Na época tinha uma professora, que ainda está na universidade, e fomos conversar com ela. Eu gostava muito dela. Essa professora nos deu várias dicas, como começar observando os padrões das aves, a cor, onde elas estão, no chão ou em cima da árvore, o que estão fazendo e tal. Aí quando surgiu uma bolsa de iniciação científica, a professora me convidou pra ser a bolsista, e ela foi muito determinante e inspiração pra mim, porque ela era mulher, ela fazia ciência e até hoje, ela sempre me apoiou e acreditou no meu trabalho e no meu potencial. Comecei trabalhando com uma espécie de papagaios, ameaçada de extinção. Na época nem imaginava que tinha papagaios a 10km da cidade onde eu morava, Chapecó, e comecei a estudar esses bichos e cada vez que eu ia pro campo, me fazia mais perguntas. Foi muito isso da curiosidade, de saber o que está acontecendo com essa espécie, onde mais eles existem, quantos eles são… E as perguntas só foram aumentando. No final da graduação, não tinha outra escolha a não ser ir pro mestrado, porque eu tinha muitas perguntas pra responder sobre os bichos. Fui pro mestrado pensando muito nisso, eu quero ser pesquisadora porque eu quero responder essas perguntas, a gente tem muitas perguntas e eu quero ajudar a responder. Terminando o mestrado, eu tinha certeza de que eu queria fazer o doutorado. Essa parte de ter a Eliara como minha orientadora na graduação fez muita diferença, até hoje eu me inspiro nela, você vê que outras mulheres… Que somos capazes de ver outras mulheres fazendo coisas legais e que a gente pode também.

Como é ser mulher no meio científico? Qual a melhor e qual a pior parte?

Fernanda: Tem dias que é fantástico porque é intelectualmente estimulante quase o tempo todo. Quando a gente pensa nas nossas perguntas, quando a gente responde, quando vê os resultados do trabalho científico e pensa “nossa, ninguém nunca olhou para isso aqui, ninguém sabia disso cinco segundos atrás”. E assim, tem dias que a trajetória acadêmica fica pesada, simplesmente pelo formato que ela é, e se soma a isso o fato de que às vezes tem um tratamento hostil ou uma situação que não é direcionada a qualidade do meu trabalho acadêmico ou ao meu trabalho como cientista, é direcionado às mulheres de maneira geral. Mas são momentos, momentos em que a gente se dá conta que às vezes não é uma dificuldade intelectual, não sou eu que sou incapaz de resolver esse problema, acontece comigo pelo meu gênero. Mas via de regra é muito bom fazer ciência, é muito gratificante olhar os resultados ou quando a gente senta e escreve um parágrafo, depois de ter lido muito, pesquisado muito, e a gente constrói, concatena as hipóteses… isso é muito gratificante.

Thamara: Eu compartilho um pouco do que a Fê falou: depende do dia. E a gente estava conversando um pouco sobre isso, que quando a gente começa a ler mais sobre isso, né? Sobre feminismo, e a gente vai percebendo todas essas questões e aí a gente começa a pensar assim: “será que eu nunca percebi algumas coisas ou elas começaram acontecer agora? Ou só a gente consegue perceber?”. Então quando comecei a ler mais sobre feminismo, mais no final da graduação, eu comecei perceber muitas coisas, né?

Por exemplo, eu já tive uma situação em que o professor, em uma disciplina de campo na graduação, disse que não dá para levar mulher para o campo porque determinada atividade não dá para fazer. Esse foi um dos primeiros momentos que eu me senti “nossa, será que eu não vou poder ser mulher e ‘fazer campo’?”

Tive uma outra situação, algum tempo atrás, quando eu estava fazendo meu TCC e um homem teve a mesma ideia de trabalho que eu, porém aplicado para o trabalho dele, e escolher convidar um outro colega que não tinha que não estava fazendo nada a ver com trabalho ao invés de me convidar. Um pouco de efeito Matilda, como a gente chama.

Então tem essa falta de reconhecimento, tem mainsplaining. Um exemplo disso também foi um dia, no projeto Tuco-tuco, que eu faço parte, em que um homem que estava conversando comigo veio me ensinar o que eram espécies ameaçadas, o que era Tucu-tuco, mesmo eu já tendo me apresentado como bióloga, especialista naquilo. Então a todo momento a gente sente duvidadas, pensa que a gente não é capaz, né?

São várias situações que, às vezes, a gente pensa como é que lidar, se vai fingir que nada aconteceu, se vai levar isso adiante ou não… E o quanto vão dizer que tu tá fazendo é “mimimi”. É complicado, mas tem dias que é muito legal: quando se descobre, quando conversamos sobre isso aqui com vocês, mas tem momentos que é muito solitário, sabe? Outra parte boa é que a gente tem um grandes mulheres para se inspirar e também conseguimos inspirar outras mulheres.

Patrícia: Seguindo nessa linha, acho que quando a Fê trouxe o “depende do dia” é a resposta que resume tudo, porque realmente é um movimento que todos os dias são iguais, são normais, mas aí tem aquele dia em que a gente vê o comentário desagradável, que é um assédio né? Aquele dia que tu vai ouvir sobre a tua roupa, sobre teu corpo, que não é privado. Tu vai ser subjulgada, tu vai ter silenciada… Então, dependendo do dia, tu percebe que tu é uma mulher na ciência, senão tu é uma cientista, só uma cientista. E não só mulher, mas eu acho que é pensar para além do ser mulher, pensar plural, no sentido de que tu não é um cientista abstrato, não é o homem, branco, cis, hétero. Então, é muito difícil, essa eu acho que é a pior parte, é essa solidão, é tu passar por isso e saber que outras passaram por isso, outras passarão por isso, qualquer mulher cientista que tu conversar já passou por pelo menos uma, é quase um checklist e é horrível saber disso. Mas a parte boa, não a parte boa de “melhor parte” mas a parte importante, é que ser mulher cientista é um ato político. Ou melhor, não ser um homem, branco, cis, hétero, é um ato político, né?

Então estar nesses espaços, ocupar eles, é um ato que tu dá visibilidade mas principalmente dá outra perspectiva. Muitos grupos sociais nem estão na ciência hoje e isso fez com que a ciência de forma geral perdesse muita coisa ao longo do tempo, é muito conhecimento que a gente deixou de obter por causa disso. A gente se baseia muito nos pressupostos da neutralidade e objetividade, universalidade, e o que acontece que advindo da crítica feminista na ciência, e não só, a gente começa a perceber que “não, ‘pera’ aí, essa ciência não é neutra”, a ciência reflete a sociedade e se essa sociedade tem premissas sociais como elas não são incorporadas? É claro que elas são. E muito se acha que o objetivo é por ser masculino, essa objetividade como se nós fossemos a oposição subjetiva. Então eu acho que a gente entrar na ciência, ou melhor, conquistar a ciência porque ela não é nos dada como espaço, faz com que a gente comece a pensar a ciência partir desse olhar e não um olhar feminino de “a mulher tem o cérebro feminino”, mas de um olhar de “olha só, você não pode falar sobre o corpo de uma mulher sem uma mulher sabe?”

É trazer outra perspectiva para ciência e é bem legal quando a gente olha exemplos disso. A gente tem exemplos clássicos na embriologia, onde por muito tempo se viam descrições, por exemplo espermatozóide e do óvulo, e é muito legal ver essas descrições porque elas dão uma visão muito sexista de “o óvulo é preguiçoso, ele é resignado, ele espera e não é ativo, é totalmente passivo” e o espermatozoide é “ágil, móvel, ele carrega toda a carga e partir dali que tudo acontece”, o que é totalmente errado.

Outro exemplo super legal é dentro da minha área e da Vivi, em um caso sobre as aves, sobre o canto das aves, onde por muito tempo se trabalhou só com a descrição do canto dos machos, inclusive nem se achava que as fêmeas cantavam, e agora a gente já sabe as aves fêmeas cantam muito e a maior parte dessas descrições começou quando mulheres entraram para a ciência.

Então eu acho que a gente perdeu muita coisa ao longo dos anos, infelizmente não tem o como mensurar isso, mas é um vem crescendo muito, tem-se discutido hoje uma nova forma de fazer ciência, que seja realmente com atores e atrizes de verdade, porque esse constructo do cientista não dá mais, ele não é real, não é verídico. Então é um ato político ser cientista.

Viviane: Só complementando um detalhe, eu acho que uma das partes ruins é a gente, enquanto mulher, tem que gastar energia pensando nisso, sabe? Isso aconteceu comigo em 2019, quando eu precisava qualificar uma parte do meu doutorado, precisava apresentar e eu tinha uma banca que ia me avaliar e eu passei dois, três dias pensando em qual roupa eu ia colocar. Eu pensava “eu não posso parecer esculachada”, mas também não podia usar roupa que eu queria muito usar, que era uma saia, e eu não usei, usei uma saia mais comprida. É essa energia que a gente gasta pensando no que as pessoas vão pensar, como nos julgar porque a gente é mulher. Porque “vai estar lá com uma minissaia apresentando é porque o trabalho dela não está bom e aí ela precisa apelar”. Essas coisas que a gente ouve recorrentemente, que passam pela nossa cabeça o tempo inteiro e que com certeza um homem, branco, cis, hétero nunca vai pensar. Eu acho que a gente perde energia de trabalho que poderia ser usada para escrever artigo científico, pensando nisso, sabe? Porque o tempo inteiro a gente é taxada de todas as coisas horríveis que as mulheres são todo dia e isso é uma das partes muito ruins de ser mulher cientista.

Qual conselho vocês dão para outras mulheres que estão no meio científico ou para meninas e adolescentes que sonham em entrar nessa área, que muitas vezes acaba parecendo composta só por homens?

Viviane: Eu acho que como a gente discutiu, né? Apesar de a ciência ser historicamente uma área masculina, por mais que seja difícil e por mais que a gente precise lutar muito mais, gastar muito mais energia, mas a gente precisa ocupar esse espaço. Mesmo que a gente tenha todos esses problemas para lidar, né? Toda essa energia que temos que gastar com outras coisas, mas é um espaço que as mulheres precisam ocupar. Porque só assim a gente vai ter realmente uma ciência plural. É só isso, se inspirar em outras mulheres e não desistir.

Thamara: Acho que é encontrar formas para existir e pensar que a gente não precisa ir juntas, né? Acho que se eu pudesse falar com a Thamara, talvez no começo da graduação, do ensino médio, eu falaria isso para ela. Não precisa achar que é coisa da sua cabeça, não precisa ir sozinha e não compartilhar todas essas questões que tu está passando, com outras mulheres. Porque quando a gente começa a compartilhar, nós percebemos que todas estão passando mais ou menos pela mesma coisa, então acho que se apoiar e se inspirar por outras mulheres, ter coragem para vencer tanto essa ‘impostora interna’ que às vezes nos diz que tu não vai conseguir, que tu não é capaz ou que tu está ali por sorte, dizendo que tu não se esforçou. Também tem essa questão mais interna de persistir apesar de alguém dizer que tu não tem que tá aqui, porque tinha que ter um homem aqui para fazer campo; tu não tem que tá aqui porque tu não sabe do que tu tá falando, tu não tem que estar aqui porque tu é muito brava ou não pode falar sobre isso aqui. Eu acho que no fim, é ter coragem e se apoiar entre as mulheres para conseguir esse combustível que mantém essa chama acesa.

Fernanda: Um conselho que eu dei para uma ex-aluno, há pouco tempo, quando ela veio me contar toda contente que ela ia fazer um técnico em uma dessas áreas ambientais por conta de um trabalho que a gente tinha feito. Eu fiquei muito assustada na hora de “meu Deus, ela tá tomando uma decisão super importante na vida dela por conta de uma atividade que a gente fez” mas também fiquei super orgulhosa porque ela é uma pessoa fantástica. E eu disse para ela que seria um prazer tê-la conosco, que as coisas estão mudando e que elas vão mudar, mas que a gente precisa protagonizar essa cena para que isso aconteça, e que ela nunca vai estar sozinha, que ele sempre vai poder contar com mulheres fantásticas e que se ela precisasse de mim eu estava disponível.

Patrícia: Eu acho que já dei esse conselho algumas vezes pelo meu contato com escolas. Os adolescentes me adoram, então geralmente converso com eles sobre isso. Teve um conselho que já dei para várias garotas e não só para elas, mas acho que vale para além disso, né? São dois conselhos na verdade, o primeiro é: apoiar outras mulheres. Vamos tentar não trabalhar essa rivalidade entre mulheres. Quem sabe a gente não se aproxima delas? Porque no final do dia elas talvez entendam muito mais sobre o que acontece contigo do que qualquer outra pessoa. Eu acho que isso vale para qualquer grupo, pensando em identidade. O outro conselho que dou é: pensar, fazer a uma formação política, porque isso é muito importante. Não basta a gente ter mulheres, a gente ter pessoas negras e termos pessoas homossexuais em posições de poder, temos que ter pessoas que lutem por essas pessoas. Um exemplo disso é a Damares, que não luta por ninguém, né? A gente tem que pensar que só representação não é suficiente. A gente precisa de pessoas que realmente estejam lá para nos defender e mudar o cenário. Dá para a gente pensar obviamente onde nós trabalhamos, com o que a gente lida com o que a gente passa diariamente, mas pensar de forma sistêmica, né? A gente quer que outras continuem passando por isso? Não. Como é que a gente faz isso? Como que nós iremos conseguir que nos cargos de poderes tenhamos mais mulheres? Como é que a gente faz com que as decisões sejam tomadas por mulheres, para mulheres, para as cientistas e para todas as outras? Então, esses são os meus conselhos.

Thamara: Eu só queria complementar uma coisa, o primeiro contato que a gente tem com feminismo é justamente a fala de ‘mais mulheres, mais mulheres’. A gente cada vez mais vai destrinchando um pouco mais desse pensamento de ‘só mulheres’ e eu acho que isso é super importante.

Na nossa disciplina de Jornalismo Científico, temos abordado bastante o assunto da divulgação científica na mídia. Gostaria de ouvir de vocês como enxergam a questão da difusão do conhecimento científico, quais estratégias vocês utilizam tanto profissionalmente quanto pessoalmente para levar o conhecimento ao maior número de pessoas, principalmente no momento em que vivemos, em que tanto se fala sobre ciência e sobre a importância dela.

Thamara: Então, essa foi uma conversa que nós também tivemos enquanto 500 porque nós ainda não fazemos esse trabalho de divulgação científica, nós fazemos um trabalho mais interno, mas nós participamos de algumas iniciativas de forma mais individual de divulgação científica e temos outras mulheres que participam também. Eu acho super importante nós enquanto mulheres participarmos dessas iniciativas porque normalmente o que nós vemos são nomes de homens pesquisadores. Hoje mesmo eu participei de uma atividade em escola em que a gente perguntou o nome de cientistas e apareceu o nome do Átila (Iamarino) mas os alunos não falaram nada sobre mulheres.

Então é importante que a gente ocupe esses espaços e o que eu considero como boa estratégia: eu gosto muito de uma divulgação científica que ela tem um pouco de humor às vezes, mas ela é um pouco mais séria, sem sensacionalismo. Foi até uma das coisas que nós abordamos desmentindo uma notícia em um projeto de extensão que eu faço parte, o curso de Biologia Evolutiva da UFRGS, que às vezes a gente tem notícias sensacionalistas de “ah, foi descoberto algo que muda tudo que aconteceu”, então eu acredito em uma divulgação científica que tenha esse compromisso de levar realmente o que é correto adiante e não outra com a intenção de viralizar. Eu considero essa uma das estratégias boas e também acho muito legal a ideia de atacar um ponto específico, como “ah, está sendo veiculado que cloroquina cura a Covid-19”. Gosto de uma divulgação científica mais ativa para desmistificar isso, mas eu ainda acho que a gente está engatinhando para descobrir como nós podemos combater a onda de fake News, de sensacionalismo. Apesar de já termos visto isso em outros momentos da história, eu acho que isso agora, por conta da internet, dos algoritmos, é um fenômeno que os cientistas sociais vão ter muito trabalho para entender, porque eu acho que a gente ainda está longe de entender como fazer para que a divulgação científica seja efetiva.

Patrícia: Então, essa é uma pergunta difícil, capciosa.Eu acho que é muito bacana pensar em estratégias de divulgação científica, mas eu vou dizer que não sei de nenhuma que seja efetiva necessariamente. Realmente não consigo apontar, até porque a gente tem um problema primeiro na comunicação científica. Comunicar aos pares é muito difícil, a gente já tem dificuldades quando tu tem que conversar com outra pessoa que já não é da área.Tu vê que o vocabulário muda, todo o referencial teórico muda. Quanto mais a pessoa está especializada na sua área, mais dificuldade parece que ela tem de entender outras.

Eu acho que pensando em divulgação científica, ela não pode ser pensada sozinha, sem pensar estratégias de educação de ensino. Eu não vou saber os dados agora atualizados, mas pensando por exemplo a nível de Brasil, eu me recordo que estamos estagnados no mesmo nível de português dez anos nos dados do Pisa. Em matemática, a nível de ensino médio, dois terços da população não compreende. Em termos de ensino, nós estamos numa posição muito baixa na tabela. Por mais que a gente tenha estratégias sofisticadas, pense no público-alvo com muito carinho e tente o máximo combater fake news e desinformação, a gente ainda tem um problema de compreensão muito grande, a gente tem um problema que o nosso sistema de ensino não consegue dar conta hoje. Então por mais que eu queira falar da conservação do Tuco-tuco, talvez seja muito abstrato para muitas pessoas, então talvez seja muito difícil e não é só as palavras que eu uso, mas talvez a pessoa não consiga compreender. A gente tem uma lacuna muito grande no sistema de ensino e a divulgação científica não dá para ser pensada apenas como uma estratégia isolada. Temos que pensar em como o nosso sistema não está dando conta desse problema, que faz com que as pessoas tenham dificuldade de checar informações, caiam facilmente em notícias que não são verídicas. Eu acho que ele é um sistema complexo demais para pensar em estratégia de divulgação, né?

Fernanda: Eu acho que as gurias foram cirúrgicas nos comentários delas. Da minha parte eu não acrescentaria nada e reforçaria a ideia inicial que a Thamara trouxe de desmistificar a ideia do cientista como aquele cara de jaleco e de trazer esses outros modos de fazer ciência, esses outros sujeitos que fazem ciência para o protagonismo.

Viviane: Acho que tem muito disso ainda, né? As pessoas não conseguem se identificar. “Como eu posso ser cientista?” porque o cientista é aquele maluco lá, que está no laboratório, fazendo reações químicas… Então essas pequenas coisas que a gente faz, como estudar a distribuição de uma espécie, não é ciência para muitas pessoas. Eu acho que tem muito isso também.

Thamara: Relacionado com isso que a Vivi falou, falando de uma experiência que eu tive hoje. Eu estou participando de uma disciplina de ensino médio que uma professora, que é trans, me convidou para falar sobre mulheres na ciência e eu pedi para ela “eu não quero chegar dando aula, eu quero observar, conhecer e depois eu vou conversar com eles”, e aí eu entrei antes de todo mundo, fiquei esperando, só eu e as outras duas professoras com a câmera ligada, e elas não tinham me apresentado ainda. E aí um dos alunos perguntou “e a cientista que ia vir?”. Eu estava tentando ser mais próxima deles possível, de moletom e tudo mais. E é isso, né? Como falta se enxergar e ver que é possível, que uma cientista pode ser uma pessoa mais nova, de touca e de moletom. Isso é fazer ciência também.

É possível acompanhar o pod de Porto Alegre do projeto 500 Mulheres Cientistas pelo Instagram, onde são divulgados trabalhos de diversas mulheres em áreas distintas e também eventos relacionados à causa.

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Laura Maria

Formanda em Jornalismo pela UniRitter. Apaixonada por contar histórias, por fotografia e áudio.